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Publicação: 22/03/2016   Comentários: ()   Categoria: Últimas Notícias - Visitas: 5954
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Viagem pela antiga Estrada de Ferro Leopoldina resta apenas na memória

Do trecho da estrada de Ferro Leopoldina vizinho à serra de São Geraldo restaram apenas ruínas, segmentos esparsos de trilhos e resquícios de dormentes que não foram roubados
Peças da memória ferroviária, como antigo reservatório que abastecia caldeiras, sucumbem ao descaso, assim como vestígios da ocupação propiciada pela estrada de ferro, entre eles a pequena capela que resiste de pé (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)
São Geraldo – Desbravar as ruínas da antiga Estrada de Ferro Leopoldina (EFL) é como reviver na imaginação o movimento dos trens de cargas e passageiros que se deslocavam entre a Zona da Mata e o Rio de Janeiro, em meio aos montes mineiros e a Serra do Mar. Uma jornada de recordações para quem já esteve na janela de um dos vagões. “Dos paredões de pedra minava água limpa. As folhas verdinhas das avencas deixavam a mata como um jardim. Em Viçosa, tinha um pão com presunto delicioso. No alto da serra, a meninada tomava leite queimado. Era um dia inteiro até Juiz de Fora. Para o Rio, a gente pernoitava nos beliches dos vagões-leito”, lembra a empresária Maria Helena do Carmo Lima, de 69 anos, de São Geraldo, na Zona da Mata. Ela usava o trem como transporte para a escola, um internato salesiano em Viçosa. Em 2007, 17 anos depois do fechamento da estrada de ferro, ela voltou para ver os trilhos de suas memórias completamente abandonados. “Não é possível que uma parte da história que está bem aqui, perto da gente, fácil de recuperar, possa se perder por falta de ações do poder público. Temos o sonho aqui em São Geraldo de que um dia o trem vai apitar de novo”, espera.

Passados nove anos, a equipe do Estado de Minas trilhou o mesmo percurso feito pela empresária e encontrou o que resta da ferrovia sendo engolido pela mata. De São Geraldo até a serra de mesmo nome se atravessam vias de terra difíceis para veículos que não sejam fora de estrada, cruzam-se córregos, porteiras de fazendas e capoeiras. Pelo caminho, dormentes de madeira e trilhos de aço que são patrimônio público se transformaram em cercas e até em bancos para prosear nas propriedades rurais.

Na estrada aberta sobre o leito da velha EFL, enferruja sob pés de goiaba um grande cilindro de ferro rebitado e escuro, suspenso por dois pilares de pedras de arquitetura ferroviária. É o reservatório que abastecia a caldeira da locomotiva, ainda com a alavanca que era acionada pelo maquinista. Atrás, estão estruturas de alvenaria e tubulações de metal que levam a um dique construído para acumular água da montanha.

Ali perto, uma pequena capela de pau a pique com paredes rachadas e telhas quebradas resiste de pé no meio de um pasto. Pelas frestas da porta trancada dessa antiga construção dá para ver o interior organizado para as preces da semana santa e imaginar os passageiros do trem fazendo sinal da cruz ao passar por ali.

Da Estação do Mirante, que se destacava pela vista que lhe valeu o nome, restaram paredes cercadas por mato. Outras construções só resistem porque foram ocupadas por famílias como a de Maria Madalena (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)
ABRINDO CAMINHO

Os cortes que dividiram montanhas em duas mostram que, mesmo para a engenharia de 200 anos atrás, as rochas não eram páreo para explosivos e picaretas nas mãos de escravos. Por todo o percurso, caminhos foram abertos nos morros para tornar o trajeto dos trens mais retilíneo e permitir um melhor deslocamento das composições. É num desses cortes, logo após a passagem pelo reservatório abandonado, que os primeiros rastros dos trilhos da ferrovia aparecem, despontando intercalados do piso enlameado e recoberto de mato alto e ervas com espinhos.

Vasculhar o mato em busca dos trilhos traz surpresas, como encontrar barras de aço mais conservadas e expostas, nas quais ainda se consegue ler algumas marcas, como o nome da fabricante, a indústria paulista Cobrasar. Mas, é uma trilha mais perigosa do que se parece. Não apenas pelas cobras, aranhas e escorpiões que se abrigam nas ruínas. Várias valas de drenagem ainda abertas e com mais de um metro de profundidade estão encobertas pelo matagal, algumas escondendo quinas de peças de aço afiado e enferrujado. Uma queda pode causar ferimentos graves.

Em locais mais planos, também ocultos pela vegetação, há poços de drenagem de antigos córregos e pântanos perfurados para sugar a água que poderia inundar o caminho dos trens. No meio dos seixos arredondados do que antes foi um pequeno lago ou charco, um desses poços abertos no solo chega a ter oito metros de profundidade.

Depredação só piora o descaso

A estação mais próxima de São Geraldo é a do Mirante, da qual restam apenas paredes. O mato invadiu todos os cômodos que um dia acomodaram funcionários da ferrovia e passageiros. A vegetação cresceu tanto que ultrapassou a altura do telhado. Das janelas que ainda enquadram o vale, uma visão ampla da paisagem da Zona da Mata, razão para o nome do terminal. Se por um lado a tintura que traz o nome da Estação Mirante está quase apagada, as pichações, grafites e nomes de pessoas que lá estiveram estão gravados na estrutura com destaque, uma depredação que só amplia o cenário de abandono.

Depois da estação, os trilhos de aço desaparecem num pasto para só ressurgir depois de densa mata, que só pode ser transposta a golpes de facão. Lá se encontra o primeiro trilho suspenso. De perto, as duas linhas paralelas de aço enferrujado ainda com dormentes aparentam solidez. Mas parte da drenagem parece ter se rompido com o tempo e a chuva escavou sob a estrada de ferro um buraco com cerca de 15 metros. A fenda em si tem aproximadamente 10 metros de comprimento.

O mato mais uma vez fecha e a duras penas reaparecem os trilhos bem atrás de um casarão de arquitetura ferroviária com remendos e intervenções recentes, sustentando as ruínas do que se tornou uma habitação invadida. De dentro da casa, uma senhora surge com tecido e agulha na mão. Maria Madalena da Silva, de 45 anos, afirma que se mudou para a construção há 20 anos, e diz que seu marido é que “encontrou” o local. “Desde que me mudei o trem já não passava mais por aqui e os trilhos estavam todos abandonados. Meu marido toma conta de tudo aqui. Foi ele quem achou a casa, que estava toda cheia de mato, e trouxe a gente para cá. Capinou e arrumou tudo, mas ninguém vem mais aqui”, disse.

Seguir o caminho da ferrovia adiante, só escalando um morro íngreme, fechado por capim que o facão não corta, até os trilhos voltarem a percorrer a serra. Passam ao lado de um local usado ilegalmente para derrubar a mata atlântica com motosserras. Várias árvores de grande porte à margem da estrada de ferro foram derrubadas e cortadas em forma de mourões de cerca, algumas partes já sendo usadas para a função em pastos delimitados pelo arame farpado.

SEM INTERESSE

A Valor da Logística Integrada (VLI), controladora da Ferrovia Centro-Atlântica, informou que a Estrada de Ferro Leopoldina (EFL), assim como bens móveis e imóveis contidos nela, “não fazem mais parte da concessão da FCA desde 2013, quando foram devolvidos para a União e passaram a ser geridos pelo Dnit”. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que “não há bens na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário” em São Geraldo e que “não está trabalhando diretamente com projetos de restauração, conservação em bens ferroviários, mas sim para a consolidação de um programa de destinação dos bens de valor histórico, artístico ou cultural, integrantes do Patrimônio Cultural Ferroviário, que passarão, após eventual declaração de valor, à responsabilidade da autarquia”.

De acordo com a assessoria de imprensa do Dnit, desde 2013 um projeto está em análise pelo departamento para implantar um circuito ferroviário denominado Trem das Serras de Minas, que privilegiaria o trajeto turístico de municípios da Zona da Mata como Astolfo Dutra, Coimbra, São Geraldo, Ubá, Viçosa e Visconde do Rio Branco.

Memória

Estrada ligada
ao ciclo do café

A ferrovia nasceu diante da necessidade das fazendas de café da Zona da Mata de escoar a produção para Rio de Janeiro e Espírito Santo , trazendo de volta manufaturados. O primeiro trecho, de 38 quilômetros, foi inaugurado em 1874, entre Leopoldina e Além Paraíba, com a presença do imperador dom Pedro II. Nos anos subsequentes, chegou a englobar outras ferrovias, como a primeira brasileira, a Ferrovia Mauá, somando malha de 3.200 quilômetros. Com o declínio do café vieram as dificuldades, que culminaram na época da Segunda Guerra Mundial. O governo federal estatizou a via em 1950, mas outra vez a atividade enfrentou dificuldades econômicas, com vários trechos sendo paralisados em 1965. Atualmente, parte do traçado pertence à Ferrovia Centro-Atlântica.
FONTE: http://www.em.com.br/

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